29 de outubro de 2012

Só porque passou


Só porque eu tenho certeza que nunca daríamos certo juntos.
Só porque tivemos todo o tempo do mundo e escolhemos que ele fosse pouco.
Só porque hoje eu abri a minha agenda no dia do seu aniversário e ontem ouvi falar daqueles livros que eu te dei.
Só porque eu tenho vivido tão bem que quase já esqueci que te amei, quase já não lembro do seu rosto e tenho a mais absoluta certeza que não reconheceria mais o timbre da sua voz.

24 de outubro de 2012

Eu não quis dizer adeus


Começo com um pedido de desculpas a todos os que eu não vi antes de partir. Desculpa aos que fizeram parte da minha vida a vida toda, e pra quem eu sequer consegui contar da mudança. Peço desculpa aos meus melhores amigos e maiores amores por não ter conseguido emendar o assunto por um tempo, curto tempo que fosse. Por não ter conseguido reagir bem, ou da forma esperada, por não ter procurado e até mesmo, por ter fugido. É bem verdade que tudo contribuiu para esse afastamento: trabalhei full time a última semana. Mas descobri que o que me impedia de falar sobre essa nova fase não era pura e simplesmente falta de tempo. Era medo.
Um medo enorme de me debulhar em lágrimas e ouvir dos meus pais que posso voltar se nada der certo. Um medo enorme de que (realmente) nada dê certo. Um medo enorme do novo trabalho, das novas pessoas e responsabilidades. De repente eu, que sempre me considerei (erroneamente) corajosa, me vejo com um medo enorme de olhar de verdade nos olhos da minha mãe, porque não terei aquele abraço bom quando chegar em casa, depois do trabalho. Ela não vai mais bater na porta do meu quarto, enquanto eu estiver lendo, para me dar o segundo beijo de boa noite nem vou poder gritar por ela quando me der conta de que entrei no banho e não peguei a toalha. Eu sei que eu preciso passar por isso, mas eu confesso que achei que seria mais fácil. Achei que seria pelo menos diferente do que está sendo. Achei que ia chamar todo mundo pra ir lá em casa, comemorar comigo esse novo momento, falar, brincar, sorrir, abraçar. Não consegui. Ainda não estou conseguindo digerir esta nova fase. Acho que as coisas ainda deverão levar um tempo para se acertar, pelo menos dentro de mim. Então eu peço um pouquinho de compreensão e um milhão de desculpas.
Não foram vocês que não me alcançaram, fui eu mesma que fugi.
Talvez, quando eu tiver certeza de que as coisas vão dar certo e de que eu vou conseguir arcar com minhas novas responsabilidades e contas, e quando eu deixar a minha nova casa com a minha cara, talvez aí eu possa comemorar. Possa chamar todo mundo pra falar do que deu certo! É isso mesmo que eu espero que aconteça. Então se eu fiz tudo ao contrário do que está previsto no script e se nem presente eu quis ganhar, me perdoem, mas foi o meu jeito de dizer que eu não quero que nada me seja dado para que eu me sinta mais próxima de quem eu amo. Eu não quero me abraçar e dizer adeus, porque eu não quero me despedir. Eu só estou um pouquinho mais longe, mas eu não fui embora. 



18 de outubro de 2012

As mais variadas demonstrações de amor


Desde que me mudei tenho notado, mais do que nunca, as mais variadas formas que as pessoas têm de demonstrar o seu amor.
Eu não quis fazer despedida. Não quis reunir os amigos e vê-los sair pela porta deixando minha casa vazia e minha cabeça cheia de caraminholas. Preferi simplesmente ir embora como se nada tivesse acontecido. Mesmo assim me senti acolhida em abraços verdadeiros de saudade de quem ainda me tinha por perto. Recebi ligações de pessoas que não costumavam ligar sempre, palavras doces daqueles que vemos todos os dias e para quem esquecemos de dizer também todos os dias o quanto nos são importantes.
A primeira demonstração foi da minha vó, com quem tenho uma relação de afeto muito forte, mas que quase não é permeada por palavras. Ela me confidenciou que no início ficou triste com a minha ida, mas sabia que seria para o meu bem e que já tinha até se acostumado com a idéia. Mas a melhor parte foi quando ela me disse que não tinha assistido nenhum debate dos candidatos à prefeitura. Nenhum. Exceto o dos candidatos de Canoas (cidade para a qual me mudei). “Estás bem de prefeito, Manô, ele é jornalista” me disse ela. Existe demonstração de amor que signifique mais?
Minha amiga chegou na minha casa com um embrulho grande de presente e disse: “Para a tua nova casa”. Era um balde, com prendedores de roupa de bichinho e ela acrescentou. “Comprei porque tem uma tartaruga aqui no meio, lembrei de ti”. Nenhum armário, fogão ou cama (coisas das quais preciso de verdade) substituem esse carinho. Não tem demonstração de amor maior do que prendedores de bichinho para pendurar as roupas de um jeito bonitinho na minha casa nova!
Meu pai trocou a geladeira dele pra me dar a antiga. Minha tia decidiu trocar de sofá para me dar o dela. Minha mãe tirou a mesa da churrasqueira para eu levar. Um amigo dela largou o que tinha para fazer para nos ajudar na mudança. O próprio síndico do prédio chegou a me emprestar um telefone, para que eu não ficasse sem no meu apartamento. O zelador se ofereceu para ficar com a chave para que, quando a minha cama que foi encomendada chegasse, eu não precisasse sair do trabalho para recebê-la. Meus colegas já me passaram telefones de academias, cabeleireiros, sugeriram lojas e se colocaram a disposição ‘para qualquer coisa’.
Minhas amigas foram tomar mate lá em casa e mesmo sabendo que era a última vez que tomaríamos mate antes da mudança, respeitaram meu medo e me abraçaram fundo na hora de irem embora, mas não me deram tchau.
Minhas irmãs ficaram felizes porque eu ia morar em uma cidade com shopping e cinema.
Meu namorado separou furadeira, fita métrica, prego, martelo, T, fita isolante, cabo pra não sei o que e tudo mais o que se pode imaginar para salvar quem mora sozinho. 
Meu primo disse que vai ficar com meu quarto.
Meu irmão disse que estava muito ocupado vendo um filme um dia que eu liguei para saber como estava. Simples assim. Simples assim como ele é, como eu sou, como as coisas devem ser sempre, sem complicação.
Todo mundo fingiu que estava tudo bem. E ficou. Talvez por isso tenha ficado! Porque foi com essas pessoas que eu também aprendi a amar e a demonstrar o meu amor, principalmente.
Porque um eu te amo vazio não significa nada. Mas prendedores decorados, esses sim, ficam para sempre!



10 de outubro de 2012

O caminho


O caminho começa quando você se dá conta de que vai seguir sozinho. O primeiro passo é saber que todas as coisas seguirão exatamente iguais, mesmo que você já não faça mais parte delas. As pessoas seguirão as mesmas, fazendo suas coisas e indo aos mesmos lugares, trilhando seus próprios caminhos. Tudo seguirá igual, apesar de você.
O caminho começa quando você percebe que o seu tudo não cabe na mala. É preciso estabelecer as suas prioridades. É preciso deixar pra lá o seu quarto, o seu quadro, a sua cortina, o cheiro de todas as suas coisas. É preciso construir as novas coisas em qualquer novo lugar que você queira chamar de seu.
O caminho começa quando você se dá conta que apesar do dinheiro, apesar da estabilidade, do conforto, da casa pronta, do mimo, do que é certo, e do que já é sabido; apesar do amor e de quem for ficar para trás e do que for acontecer e do que já está ou não está escrito; e apesar do destino e de acreditar ou não em religião, e de rezar ou não e pedir ou não; apesar de tudo o que você vai deixar, tudo o que você vai levar e tudo o que você vai buscar, você precisa estar pleno, precisa ser sereno, querer ter riso fácil, colo aberto e coração leve para que tudo o que você venha a perder ou ganhar valha, sempre, muito a pena.




7 de outubro de 2012

Difícil de contar


Peguei a Helena na casa de uma tia. Ela abraçada na sacola de roupa nova. Eu com a mochila do colégio. De mãos. Entramos no carro, colocamos o cinto, eu pedi para que ela soltasse a sacola com as roupas novas.
- Não mana, fica no meu colo.
- Tá bem, então me mostra o que tu ganhou.
Qualquer coisa que postergasse o assunto.

Ela mostrou todas as peças, uma por uma, disse que escolheu todas e que a tia esqueceu de pegar uma saia que ela tinha ‘adorado’. Ela dobrou uma por uma as roupas e colocou no meu colo, enquanto eu dirigia. Fez uma pilha. Arrumou a sacola, agora vazia, no colo, e começou a guardar uma por uma aquelas pecinhas, pequenas, bem dobradinhas por ela. Pensei que aquele seria um bom momento.

- Sabe aquela cidade que tu foi com o papai, a mamãe e a Isa? Que vocês foram no cinema, no shopping, ficaram num hotel?
- Aham, Porto Alegre.
- É, Porto Alegre. Bem pertinho dessa cidade tem outra, que se chama Canoas. A mana vai morar lá.
- Vai? (perguntou ela com a testa enrugada) Por que mana?
- Porque a mana vai trabalhar lá agora. Mas a mana vem todo o final de semana!


Ela pegou mais uma peça de roupa, e guardou na sacola. Ficou quieta, meio beiçuda. Eu lembrei do dia em que fiquei sabendo que teria uma irmã. Eu sempre quis ter uma irmã. Depois lembrei do dia que ela nasceu, de quando estava aprendendo a caminhar e a falar, e das palavras erradas que pedíamos que ela repetisse. Lembrei das coisas que nos aproximaram desde sempre, do que nos faz parecidas mesmo com os 15 anos que nos separam. Lembrei dos nossos passeios juntas, das coisas que eu tenho certeza que ela só disse para mim, das demonstrações de amor que me transformaram em uma pessoa muito, mas muito melhor do que jamais pensei que seria. Pensei em como o amor ensina e modifica. Lembrei de uma vez que ela viu um menino chorando e foi falar com ele, mesmo sem conhecer. E quando ele saiu de perto dela, parecendo brabo pela aproximação, ela só me olhou, levantou os ombros e apertou o canto da boca, como quem diz ‘Eu tentei’. As ações da Helena me fizeram mais observadora e preocupada, e ela com certeza, com a sua intensidade, me mudou completamente.


Coloquei minha mão sobre a perna dela e pedi que ela me desse a mão. Parei na sinaleira, olhei pra ela.
- Eu vou morrer de saudade tua!
- Eu também.


Respirei fundo com os olhos cheios d’água e apertei o acelerador. A partir de agora precisarei apertar o acelerador muitas e muitas vezes.