27 de outubro de 2011

Doenças saudáveis

Tem pessoas que passam a vida delas tentando nos tirar de um caminho certo. Elas influenciam quem está próximo de nós, elas empurram verdades que não existem, afirmações que nunca foram feitas, semeiam a discórdia entre nós e um monte de gente que poderíamos vir a gostar não fosse aquela ‘bela’ pessoa permeando as nossas relações.

Eu não sei que nome dão a isso. Mas é algo entre doença e amor. É uma vontade, tanta vontade, que as coisas não aconteçam pra nós, que eles são capazes de fazer amizade com nossos piores inimigos pra nos ver sentindo dor. E o pior, é que eles não desejam nos ver pra baixo, eles desejam nos ver doídos. Aí eles vem, e melhoram a situação. Quase nos fazem apaixonar pelos bons que são. E não fossem meus olhos bem abertos, teria até hoje um ‘amigo’ que nada queria além de me ver na pior. Pra me salvar. Que coisa louca né?

Hoje me deparei mais uma vez com a doença desse coitado, que vive uma vidinha muito mais ou menos por aí, destruindo outras para recuperá-las, para fazer apaixonarem-se. Que bom que meus olhos são bem grandes e de boba eu só tenho a cara.

Quase senti pena dele. Agora mesmo, agora há pouco. Quase senti pena da pessoa que me privou de conhecer outras. Da pessoa que não quis que meus relacionamentos dessem certo. Da pessoa que me tirou de um deles e deu a maior força para os dois lado. Mas isso faz tantos anos. E o coitado não supera.

Quase tive pena do contexto em que ele estará inserido para sempre. Quase tive pena da doença que o assola, e que já me tirou tantas vezes do meu caminho. Quase tive pena de quem daria tudo pra me levantar depois de ter me atirado no chão.

Quase. Mas não tive pena. Vivo muito bem sem pessoas que não torcem por mim. Que vivam eles suas doenças, que eu vivo as minhas: sigo amando incondicionalmente, sigo andando descalça e falando sozinha, sigo caminhando na praia, sigo comendo nos mesmo lugares e trabalhando nas mesmas coisas, sigo com minhas esquisitices e imperfeições. Não tenho medo de rotina, não tenho problema em tentar de novo, e se não der certo de novo, posso errar e conviver com isso. Também não tenho medo de ser pobre, de ter mais de um emprego, de não ter sobrenome de efeito, de ter que trabalhar para ter uma vida digna e ensinar meus filhos que dinheiro não nasce em árvore.

Mas estou perdoada! Estou absolutamente perdoada por mim. Nunca fiz mal, nunca quis mal e nunca desejei mal. Eu não poderia. Conviva com isso quem conseguir e eu sigo com minhas doenças bem mais saudáveis!



Por Manoela Soares (@manunsoares)

25 de outubro de 2011

Eu queria acreditar

Às vezes eu preciso rezar. Sinto falta de acreditar em alguma coisa, de me apoiar sob a fé, de não temer o que não posso mudar e acreditar que existe, sim, algum tipo de justiça, mesmo que não seja no plano dos homens. Às vezes me sinto sozinha sem fé. Me pego quase fazendo uma oração, mas não faço. Implico com as frases prontas, inventadas por outras pessoas, que quase não dizem o que quero dizer, que não traduzem as coisas que eu gostaria de falar. Afinal: rezar é repetir aquelas frases decoradas desde a infância? Então não rezo, eu falo.

Eu falo de noite antes de dormir, principalmente quando estou explodindo de felicidade. Quando sinto que preciso agradecer pelas coisas que tenho, que consigo e até por ainda cultivar sonhos. Falo quando estou com muita saudade de alguém, falo baixinho sobre esse alguém, lembro (e conto) as coisas que já vivemos, rio delas, choro muito. Falo quando chove e não sei para onde vão as crianças que moram na rua enquanto estou bem quentinha na minha cama. Falo quando está vento de arrancar telhado e me pergunto o que faz um pai que acorda no meio da madrugada e descobre que precisa arranjar, naquele momento, um novo lugar para levar seus filhos. Falo quando está tudo bem e quero dizer que está tudo bem, nada demais. Falo quando não estou legal e quando percebo que algumas coisas não me fazem bem e não me tornam melhor. Então falo para talvez afastá-las, falo para tentar acordar uma pessoa melhor no outro dia.

Eu só não sei quem me ouve. Não sei pra quem chegam minhas palavras. Também não sei se preciso saber. Não sei se acredito que existe alguém, de barba sentado numa poltrona majestosa em pleno céu, enquanto estamos aqui em baixo. Não sei se acredito que alguém possa estar presente em todas as coisas sempre, não sei se acredito em alguém que seja capaz de perdoar tudo, não sei se esse alguém cuida de quem já se foi, se existe um outro plano não sei onde. Não sei se existe alguém. Não sei se acredito nisso. E não gosto de não saber no que acreditar, de não conhecer a fé em sua imensidão, de não me permitir sentar num banco de igreja pra rezar e de achar as construções da casa de Deus maravilhosas e luxuosas enquanto vejo pessoas dormindo em soleiras de porta.

Não gosto de não saber no que acreditar, mas também não sou capaz de me permitir acreditar em qualquer coisa.

Acho que estou numa fase de encontro comigo mesma. Um tanto quanto introspectiva e chata, mas paciência. Se eu encontrar também minhas crenças no que está além do que podemos ver e sentir, volto e conto. Por enquanto posso, somente, ser chamada de louca por falar sozinha a maioria das noites.



Por Manoela Soares (@manunsoares)

21 de outubro de 2011

A nova Ela

Não a chame de coisas que você já me chamou. Não diga que ela faz bem as coisas que eu fazia. Não a leve aos lugares que nós fomos. Não prepare para ela a comida que você fazia pra mim. Não espere que ela ria das coisas que você fala: não espere dela um sorriso que você gostaria de ver no meu rosto.
Não dê a ela o meu perfume, o meu disco preferido, não indique o filme que você queria que eu visse. Não passe os dedos pelos cabelos dela, não aperte sua mão como fazia quando queria rir, não construa planos que você sonhou ao meu lado. Não diga a ela o nome que eu queria que nosso filho tivesse. E não dê esse nome a ele.
Não publique ao lado dela os sentimentos que você disse ter por mim, e em hipótese alguma, sinta por ela o mesmo que sentiu por mim. Não a leve a praia, não deite na areia ao lado dela, não procure bicho nas estrelas, não fiquem conversando no carro por horas e horas, até parar de sentir o tempo.
Não espere me ver no reflexo dela. Não queira e não deseje que ela se pareça comigo.
Afinal de contas ela lhe cabe muito melhor do que eu. Ela acompanha suas extravagâncias, aplaude seu ego, torce pelo seu time, come o que você gosta, viaja pra onde você vai, lê o que você acha interessante, assiste o que você decide e joga o seu jogo do início ao fim. Ela luta pra ter você. Ela quer ter a sua vida.
Eu não sou ela. Eu teria e construiria uma vida ao seu lado. Mas eu não abriria mão das minhas coisas e nem viveria a sua vida. Viveria a minha e ela é que caminharia ao lado da sua.



Por Manoela Soares (@manunsoares)

20 de outubro de 2011

Onda

O tempo realmente não é o senhor da cura de todas as dores. Existe o que não pode ser curado, o que não deve ser curado o que não queremos que seja curado. Ainda existem sopros dentro de mim que insistem em fazer doer mais e mais o que o tempo não consegue afastar , o que a cabeça insiste em pensar, o que as fotos insistem em lembrar. Ver foto pode ser triste. É quase como reviver aquele momento, aquele instante que não volta mais, é quase como poder tocar, como poder beijar, é quase como sentir de novo aquele abraço, aquele cheiro. Quase. Mas não é.



Por Manoela Soares (@manunsoares)

19 de outubro de 2011

O que importa e o que não importa

Essas são as duas únicas coisas que existem: o que importa e o que não importa. Se a morte pode nos alcançar a qualquer momento, pra que viver a vida se importando com coisas que não trarão o mínimo de relevância para as nossas vidas?

O que importa é a profissão que a gente escolhe. É a paixão e a vontade de acordar todos os dias para trabalhar no que escolhemos. O que importa é se reinventar, não se deixar levar por números e estatísticas, é tentar ser sempre melhor, não que os outros, melhor que nós mesmos. O que importa é conseguir as coisas por esforço, é nunca ter que desacreditar dos nossos valores para acreditar no nosso trabalho, é nunca, em hipótese alguma, passar por cima de alguém que esteja a nossa frente.

O que não importa é o que os outros desprezam daquilo que a gente faz com amor e responsabilidade. Não importa que a teoria esteja escrita em um milhão de páginas se, na prática, a gente já sabe que não vai dar certo. O que não importa é o que as pessoas pensam (de ruim e injusto) da nossa profissão. Não importa que outros queiram ser melhores. Não importa que a gente reconheça que outras pessoas sejam melhores. Uma coisa é certa: sempre, mesmo, vai existir alguém melhor. E isso não é demérito nenhum. O que não importa, pra ninguém, é você mesmo achar que seu trabalho é bom. Deixe que os outros te reconheçam.

O que importa é preservar os velhos amigos. Os que brincaram de esconde-esconde com a gente. Que nos viram nos momentos mais difíceis, os que acompanharam os momentos mais legais. O que importa é ter uma foto deles em casa, não deixar que a rotina os distancie, que o trabalho sempre atrapalhe os planos, que o cansaço os impeça de aproveitar a vida. O que importa é permitir que essas pessoas te amem independente do que você escolheu ser. E amá-las mesmo que não concorde sempre com o que elas façam. O que importa é respeitar. E ser respeitado.

O que não importa são aquelas caras de nojo que te olham na rua. Aqueles comentários que tem destino certo, as provocações que já não fazem sentido. Não importa que as pessoas não gostem de quem você é, do sobrenome que você tem, na casa onde você mora. Aliás, não importa mesmo nem o sobrenome que você tem, nem a casa em que você mora.

Importa que a sua família saiba que tem você por perto. Importa que os laços que os liguem sejam mais fortes que apenas laços de sangue e que não falte palavra de carinho, amor e orgulho. O que importa é que você sempre reconheça que ninguém chega a lugar algum sozinho. Que seus pais são grandes responsáveis por você ser quem é, e que suas escolhas refletem seus valores.

O que não importa é que se tenha problema, que se sofra de vez em quando, que se passe uma semana inteira com nó na garganta. Não importa que as coisas nem sempre dêem certo, ou que você não ache que ganha o que devia ganhar, ou que você faz muito mais do que precisa fazer. Também não importa que seu carro não seja o modelo do ano, que seu cabelo e seu corpo não sejam exatamente como você gostaria que fossem, que sua memória não ajude como deveria, e que seu humor não se esconda atrás de um sorrisinho amarelo.

O que importa é tirar proveito de tudo o que se vê e se vive. É entender que os dias passam, as noites também, e que nada é tão importante a ponto de fazer você cogitar desistir.

O que não importa é que alguém diga que você não consegue. Ou que você não deveria tentar.

O que importa é apenas tentar, mesmo que nada dê certo. As conseqüências não são algo que estejam ao nosso alcance. E o que importa é trazer para mais perto as coisas que nos são caras.



Por Manoela Soares (@manunsoares)

13 de outubro de 2011

Fazer dar certo

Eu assisti esses dias ao filme “A razão do meu afeto”, que conta uma linda história de amor, sem final feliz, e, cheia de semelhanças com a realidade. Ou não. O filme trata de uma ideia que pode ser considerada normal ou louca, depende do ponto de vista de quem vê. Mas enfim. Lá pelas tantas, em meio a uma séria discussão, Jennifer Aniston desabafa ao amigo, pelo qual é apaixonada:

- Você precisa escolher alguém para viver, e fazer dar certo!

Não preciso dizer que, se histórias de amor que terminam bem me fazem chorar, imagine só as que não dão certo. Bom, mas enfim. Depois de chorar, me deitei, e comecei a pensar que todas as coisas a nossa volta dependem somente de nós. Pelo menos a maioria delas. E nos esforçamos, ou pelo menos precisamos nos esforçar, se queremos que elas dêem certo. É assim com tudo. Mas quase nunca fazemos isso em relação ao amor.

Tudo o que fazemos exige muito esforço. Todos nós, para sairmos do colégio, estudamos pelo menos 13 anos. Vendo de matemática a história, passando pela física e química: isso não é fácil. Depois passamos por um vestibular, e os que quiseram um curso bem concorrido que me ajudem: não é fácil. Ficar sem sair final de semana, sem namorar, sem ver os amigos, sem pelo menos ver um bom filme porque tem que estudar, que entregar um trabalho, que terminar o TCC, que tabular alguns dados de pesquisa, que corrigir prova de aluno também não é fácil.

Levar uma vida ‘normal’ não é moleza. Acordar todos os dias, se vestir, ficar no mínimo 8 horas exercendo as funções de sua profissão e ainda encarar hora extra toda a semana não é pra qualquer um. Lavar a roupa, a louça, fazer comida, manter a casa limpa e ainda cuidar dos filhos não é tarefa fácil. Cortar a grama, limpar a piscina, podar árvore, passear com o cachorro, arrumar o chuveiro, limpar o carro, trocar o piso do pátio não é fácil. Não é fácil ter uma vidinha normal de trabalhador ou dona-de-casa. Precisamos nos esforçar para fazermos dar certo.

Aí chegamos em um relacionamento e nos portamos como se não tivéssemos aprendido nada sobre dificuldade. Manter um relacionamento bem, também não é uma tarefa simples. É preciso “escolher alguém pra viver” e depois disso, ainda é preciso o essencial: “fazer dar certo”. Precisamos fazer dar certo todos os dias quando acordamos. Precisamos fazer com que nosso mau humor não nos consuma a ponto de desestabilizar nosso relacionamento. Precisamos queres estar do lado de quem estamos, e conseguir se imaginar com aquele mesmo rosto, rodeado por netos daqui há 60 anos. Precisamos fazer dar certo a cada ano que completamos aniversário juntos, a cada beijo, a cada abraço. Estar junto há 3 meses pode ser bom, há 3 anos pode ser muito bom e há 30 anos pode ser melhor ainda. Vai da competência de cada um de fazer dar certo.

Uma vez uma amiga que disse que o segredo do casamento não é esperar que o outro nos faça feliz. Mas fazer o outro feliz. Queremos a todo momento que nossas vontades sejam supridas, que nossos desejos se realizem, que as coisas andem pelos caminhos que escolhemos. E queremos que alguém acompanhe nossa insanidade sempre. Se nos preocupássemos apenas em fazer o outro feliz, e o outro pensasse o mesmo, além de manter um bom relacionamento, acho que poderíamos nos tornar, também, pessoas melhores.

E se ser quem a gente é, é difícil, imagine só, ser melhor.



Por Manoela Soares (@manunsoares)

11 de outubro de 2011

Sim - Cris Guerra

Li Cris Guerra pela primeira vez através do Livro “Para Francisco”. Depois topei com o “Hoje Vou Assim” e nunca mais parei de ler Cris Guerra. Eu gosto de palavra estranha. De frase que pode não nos gerar sentido mas que faz pensar que significa muito pra outro alguém. Gosto de como algumas pessoas transformam lágrimas em palavras bonitas. Já tive que transformar as minhas e esse também foi o meu caminho: escrever. Gosto de como ela gosta de quem é. Como está satisfeita consigo mesma. Como se dedica a um projeto audacioso e divertido e como fala dele com orgulho. Gosto da história que virou livro. Gosto de como ela conta a história. Gosto de quem me arranca lágrimas por beleza e simplicidade. Indico “Para Franciso” a torto e a direito. A maioria das minhas amiga já leu, e espero que sigam lendo. Que comprem, que tenham em casa e que guardem abaixo de sete chaves a história de amor de três pessoas conectadas somente pelo amor. Eu gosto da forma como pessoas como ela, ainda falam no amor. Com vocês, Cris Guerra.

“Sim.

Eu já sonhei ser modelo. Depois atriz. Depois cantora. Qualquer coisa que me colocasse num palco. Sim, fiz curso de modelo, depois curso de TV, depois aula de canto. Mas tudo isso durou pouco.

Não fui atrás de nenhum desses sonhos. Fui escrever sobre tudo isso e virei redatora de anúncio. Nisso, persisti.

Não persisti nos meus outros sonhos porque me escondi atrás do meu nariz torto, dos meus dentes imperfeitos, das minhas pernas finas, do meu cabelo ondulado, da minha voz aguda e da minha língua presa. Sim, tudo isso ainda faz parte de mim. Não fiz plástica, não usei aparelho, não coloquei silicone, não fiz musculação, nem escova progressiva, nem fonoaudiologia. Mais tarde, a essas imperfeições vieram se juntar varizes, estrias, celulite, olheiras, cabelos brancos e uma barriguinha.

Sim, eu tenho um filho. O que reforça as olheiras. Mas nesse contexto elas perdem por completo a sua importância.

Sim, eu tenho 37 anos.

Não, eu não uso maquiagem. Talvez porque ao longo do tempo eu tenha aprendido a me aceitar assim, quase exatamente como sou. Talvez porque eu me ache, hoje, mais bonita do que realmente sou. Talvez porque eu não fique esperando a opinião do outro para me sentir assim. Quando eu me olho no espelho, fico feliz no papel de mim mesma.

Sim, eu gosto de aparecer. Isso me diverte e me faz levar a vida menos a sério.

Não, atualmente eu não pratico esportes. Porque sou preguiçosa também.

Sim, eu tenho muitas roupas. Sou consumidora compulsiva. Ainda estou me curando. Lentamente, que é como as verdadeiras curas funcionam. E a cura está em expor meus exageros, transformando o vício em uma coisa boa. Sim, eu já gastei demais, já me endividei, já sofri por isso. Já me culpei. Depois descobri que me culpar só me faria insistir no vício. Sim, eu me perdoei.

Sim, eu já sofri por amor. Muitas vezes. Já fiz sofrer também. E já perdi mãe,pai, avós, filhos no início da gestação. Sim, eu já me separei. E foi bom. Sim, depois disso encontrei o amor da minha vida e o perdi de um dia para o outro. Não, não foi fácil. Mas reencontrei a alegria. Não morri com ele.

Sim, eu só tenho a agradecer. Porque amei e fui amada. Porque temos um filho que ao sorrir me mostra que valeu a pena. Sim, faltaram algumas coisas – mostrar Paris para ele, por exemplo. Faltou ele conhecer o próprio filho. Mas sobrou amor. E não faltou dizer nada. Nem ouvir.

Já vivi muitas coisas. E não me canso de me surpreender com a vida. Sim, para melhor.

Sim, eu me sinto sozinha. Mas não me assusto mais com isso. Tenho me achado ótima companhia.

Sim, eu me orgulho. Não das minhas perdas, mas da maneira como lido com elas. E de estar completando 24 anos de auto-análise. Desde os 13 escrevo sobre a minha dificuldade de estar no mundo. Tanto tempo, que foi ficando fácil. Já fiz as pazes comigo e com o mundo.

Sim, eu sou a filha mais nova de uma família de cinco. E fui mimada. E já fui insuportável. Não, eu não era ouvida. Eu me sentia abandonada. Só falava em tom de choro. Sim, eu me sentia feia. Sim, eu cortei os cabelos pela primeira vez aos 19 anos e nunca mais deixei crescer. Porque isso me libertou. Sim, foi uma alegria descobrir que a beleza estava dentro de mim, e não nos cabelos.

Sim, eu me tatuei 29 vezes. Isso também me liberta e me ajuda a levar a vida de um jeito mais leve.

Sim, eu gosto de me vestir bem. E demorei muito tempo para entender que isso era prioridade pra mim.

Sim, eu gosto de moda. Não a moda ditada pelo último São Paulo Fashion Week. Gosto de moda na coleção que eu mesma lanço ao fazer minhas escolhas. Gosto do desfile que começa a cada dia na hora de me vestir. Sim, essa é a minha forma de fazer moda.

Sim, eu poso de modelo. E me mostro, sem medo. Não, as fotos não têm retoque de photoshop. E eu não tenho uma equipe para me vestir nem para me maquiar. Sim, tenho amigos talentosos que topam a minha viagem todos os dias. Sim, tenho sorte.

Sim, eu gosto de aparecer. E adoro elogios. Eles fazem do outro o meu espelho e isso é muito bonito. Sei elogiar também. E sempre que o faço, é sincero.

Sim, estou em lua de mel com a modelo que existe em mim. Que tem olheiras, varizes, cabelos brancos e nenhuma maquiagem. Sim, estou em lua de mel também com a escritora que existe em mim.

Sim, eu convivo diariamente com uma ou outra frustração. E nenhuma é grande o suficiente para me fazer infeliz. Sim, eu vejo pessoas à minha volta. E muitas delas sofrem também. E a gente troca.

Sim, de vez em quando sinto inveja. Mas quando isso acontece, procuro a saída mais bem-humorada. Sim, é muito bom quando você consegue dar ao outro apenas o melhor que está em você.

Sim, eu ouço som bem alto no carro. Coloco os óculos escuros e canto a caminho do trabalho. Sim, hoje atraio olhares. Nem todos são bons. Mas aprendi a lidar com isso.

Sou triste e sou alegre. Sim, sou eu.

Sim, eu sou mulher. E sou modelo, atriz, cantora. Trabalho num lugar onde posso exercer tudo isso. Construí meu próprio palco.

Sim, eu me acho poderosa. Mesmo porque, é comigo que posso contar. Sim, em alguns momentos percebo que a imagem que involuntariamente construí é diferente de mim. Mas é parecida também. E eu não tenho controle sobre isso.
Não, hoje não tem foto. Hoje vou assim. Vestida dos meus sins e dos meus nãos. Vestida de mim mesma. Praticamente nua. Livre de falsas identidades e convidando você a se libertar também
"

9 de outubro de 2011

Para Helena


‘Eu te desejo não parar tão cedo, pois toda idade tem prazer e medo. E com os que erram feio e bastante, que você consiga ser tolerante. Quando você ficar triste que seja por um dia e não o ano inteiro. E que você descubra que rir é bom, mas que rir de tudo é desespero. Desejo que você tenha a quem amar e quando estiver bem cansado ainda exista amor pra recomeçar






Mana,
Hoje é o teu aniversário! Estás fazendo sete anos. Como tu mesma diria: “Uma mão cheia e mais dois dedos”. Acredite Helena, isso é bem pouco. Que bom! Um dia tu vai entender que é bom mesmo, por enquanto sei que queres logo alcançar as ‘duas mãos cheias’.
Sabe mana, eu sempre tive um único irmão. Até meus 15 anos. Sempre achei pouco, mas me acostumei com a ideia de ter um natal pequeno quando fôssemos adultos: nós dois e nossas famílias. Não passaríamos de 10 pessoas. Isso sempre pesou muito porque tive uma infância com natais bem grandes, com muitos primos e tios e eu ficava me perguntando se meus filhos esperariam tanto por essa festa como eu esperava quando era pequena. Um dia tu vai entender essa mania que a tua irmã tem de pensar num futuro bem distante. Enfim. Dividi meus brinquedos, minhas canetinhas, minha vontade de crescer, meus desenhos, meus livrinhos e até meu quarto, com o Maurício. Sempre fomos nós dois.
Ao mesmo tempo que tua chegada foi esperada, eu confesso que tive medo. Não sei se com filho é assim, se temos medo de não amar tanto o segundo quanto amamos o primeiro. E eu já tinha um irmão quando te conheci. Tinha há 15 anos. E tive medo por nós. Por mim e por ele.
Tu chegaste de mansinho, bem pequena, bem vermelha, bem feinha (como todo nenê diga-se de passagem). E aos poucos foi conquistando espaço dentro do meu coração. Entendi e aprendi a te amar mais e melhor a cada dia. E tu fizesse de mim uma pessoa melhor. Quero ser tua parceira, quero ser pra quem tu vai contar teus segredos e dividir tuas angústias, quero te ajudar a crescer e te aconselhar quando achar que devo. Não pude ser essa pessoa para o Maurício. Temos pouca diferença de idade, nunca fui tão mais experiente do que ele. Às vezes me surpreendo com a forma madura como ele me dá uma notícia: eu também aprendo sobre maturidade com ele.
Entendi que entre nós nasceria um amor diferente.
E não só nasceu, mas esse amor cresceu de forma diferente. É um amor que ainda não senti igual, porque é diferente até mesmo do amor que sinto pelo Maurício e do amor que sinto pela Isadora. Temos uma cumplicidade que transcende os 15 anos que nos separam, um respeito que pode ser visto através do nosso olhar, diferenças que nos complementam, conversas que nos aproximam, presenças intensas capazes de sanar o tempo que ficamos sem nos ver.
Quando te vejo fazendo o tema, vendo desenho, cuidando da Isa, respondendo com propriedade, impondo tuas vontades, competindo com outras ginastas, inspirada por uma profissão, ensinando passos de dança, cantando músicas novas, olhando o mano como quem olha um super-herói, correndo, pulando, brincando, percebo quantas semelhanças nos unem e quantas diferenças nos fazem ficar ainda mais juntas.
É claro que tu não vai ler essa carta agora. Mas eu prometo que te mostro ela daqui há uns 10 anos mais ou menos. Prometo!
Queria mesmo que nesse aniversário eu te desejasse muito mais do que felicidades, quero estar ao teu lado pra te ver feliz. Mais do que amor, quero participar dos teus amores e, se não for muita petulância, quero ser um deles pra sempre. Muito mais do que sorte, quero que conquistes teu espaço por competência e vontade, e ainda quero conversar muito sobre isso contigo.
Enfim, quero que saibas que tens uma irmã babona, que te ama como mãe, que te quer bem e feliz mais que qualquer outra coisa. Que te deseja sim, um monte de presentes, mas mais do que isso, te deseja presente. Pra sempre.
Quero que faças parte dos meus natais e aniversários e dias de festa ou de choro. Assim são as relações mana. Elas são complexas e simples. Elas são fáceis e exigentes. Elas são belas e escabeladas. Exatamente como nós. Né? “Complicadas e perfeitinhas”
Somos muito parecidas mana, vamos achar ainda mais semelhanças no futuro. Hoje vejo isso com mais clareza. E como é que diz aquele passinho que tu me ensinou?



Nós andamos iguais, nós andamos iguais. De um lado pro outro. Pra frente e pra trás. Nós andamos iguais






Te amo incondicionalmente, minha princesa!







Por Manoela Soares (@manunsoares)






4 de outubro de 2011

Onde foi parar o tempo?

Não está acontecendo só comigo. Todo mundo só fala nisso:

- Eu não tenho mais tempo pra nada!

Estamos sempre tendo que nos justificar com alguém ou para alguém. “Desculpa por não ter conseguido ir”, Com o prazo que tinha não deu pra fazer”, “Eu não vou poder me comprometer com isso porque estou realmente com muitas outras coisas pra fazer”, “Eu não tive tempo”.

E não estamos falando por mal, não estamos deixando de fazer por falta de vontade, não estamos deixando de ver por opção. É que corremos o dia inteiro. Quer ver só?

Geralmente, já acordamos atrasados. Isso porque ninguém acorda às 5 horas da manhã por opção. Então acordamos, nos espreguiçamos, colocamos no soneca e viramos pra lá e pra cá na cama até a hora de levantar mesmo. Ou, para aqueles que são contra o soneca, como eu, quando o despertador toca é levantar ou levantar. Um minuto a mais na cama e tudo estará perdido. Lavamos o rosto com pressa. Ligamos a televisão para ter companhia, para ouvir uma vozinha ao fundo dessa correria louca. Engolimos o café, escovamos os dentes, colocamos o sapato e saímos pela porta com o horário apertado. A hora certa de chegada pode (sempre) variar cinco minutos para mais ou para menos.

Se vamos a pé, aproveitamos a ida para escutar música; sabe-se lá que horas teremos outras oportunidades de cantarolar. Se vamos de ônibus aproveitamos para botar a leitura em dia. Ou o sono em dia. Mas enfim, a moral é não perder um minuto sequer de nada. Fazer nada não é algo a se pensar, pelo menos até o final do expediente. Ou depois.

Chegando ao trabalho nem se fala, não é possível falar (e até mesmo pensar) outra coisa que não o próprio trabalho.

E quando acaba, acabou. A gente quer mais é ir pra casa, tomar um banho e descansar. Cada um do seu jeito: seja vendo televisão ou lendo ou escrevendo ou no computador, enfim. E quando a gente vê, está na hora de dormir. E acabou. Esse foi o dia. Amanhã, se não for igual, vai ser ainda pior. Mais trabalho, mais ligações, mais planejamentos, mais correria, mais imprevistos, mais incertezas e menos tempo. Cada vez menos tempo. Quanto mais se pensa no que se quer fazer, menos se tem tempo para colocar esse pensamento em prática.

No final de semana, quem tiver muita sorte, consegue descansar. Ficamos felizes quando conseguimos, pelo menos, dormir até mais tarde no sábado e no domingo. Isso já quase basta.

Onde ficam as viagens de final de semana, os encontros no final da tarde, a conversa com os nossos amigos, o passeio com o cachorro, o cinema com o namorado, o tempo livre com os irmãos, a visita às avós, os banhos de sol, os banhos de creme, os banhos de mar, os banhos de loja, a caminhada, a academia, a ida a padaria, o tempo para assistir àquele filme, o piquenique, a arrumação das unhas?

Onde foi parar aquele tempo, no qual nos encontrávamos, quando o natal demorava pra chegar, quando nosso aniversário parecia ser comemorado de quatro em quatro anos, quando as férias duravam uma eternidade, quando os anos eram separados por 365 dias bem vividos?

Às vezes me pergunto se estou sabendo viver certo. É assim mesmo? Quando finalmente paramos para pensar faz mais de seis meses que ficamos de ligar .. para quem mesmo? Será que é por isso que a gente corre? Pra não lembrar?

Queria saber onde foi parar o tempo, todo o tempo que eu tinha, pra viver de verdade. Pra conseguir sentir a intensidade das coisas. E para ver as coisas acontecendo.

Se alguém encontrar, por favor, me avise.



Por Manoela Soares (@manunsoares)

2 de outubro de 2011

Diálogo

Domingo de sol, eu e a Helena no pátio de casa 'brincando'

Helena - Mana, vamos brincar que tu era um cavalo?

Eu baixo a sobrancelha e aperto a boca, entendendo que as minhas costas estão com os dias contados.

Helena - E eu podia ser a menina que cuidava dos cavalos. Vamos?

Eu - Vamos!

Ela sobe nas minhas costas e começa

Helena - Vamos cavalo, depressa! Precisamos acher umas flores muito raras que tem lá na frente e eu não sei onde ficam.

Claro que, como um bom cavalo, eu vou correndo com ela na garupa até a frente de casa. E aí começa nossa conversa

Helena - Mana, eu tinha um monte de cavalos tá? Faz de conta. Só que tu era branca e era rara, meus outros cavalos eras pretos e daí, às vezes, tu chorava porque ninguém queria brincar contigo porque tu era bem branquinha, duma espécie bem rara. Tá?

Eu - Tá!

E seguimos correndo e buscando flores, e pesquisando elas, e correndo, e correndo, e correndo. Até que ela disse

Helena - Tem certeza que tu quer ser preta?

Eu, que tinha esquecido que era só um cavalo, perguntei

Eu - Como assim mana, quero ser preta?

Helena - É o cavalo lembra? Que fica triste porque não é preto que nem os outros.

Eu - Ah é! Eu queria Helena, ser preta que nem os outros cavalos pra eles brincarem comigo.

Helena - Mas não precisa. É justamente a sua diferença que faz de você um cavalo tão especial!


Onde é que ela aprendeu isso? Claro que a irmã babona quase começou a chorar ali mesmo.

E a menina, que cuidava dos cavalos, fez um carinho bom no seu cavalo diferente, e eles seguiram correndo, como sempre.

E tem gente que acha que não tem mais nada pra aprender. Valeu meu dia!



Por Manoela Soares (@manunsoares) vulgo 'cavalo branco'